As estrelas e os céus
- Rennan Leta
- 11 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 12 de mar. de 2019

Ela me rodeou. Vindo dela, eu poderia imaginar que era alguma zoação, mas dei o voto de confiança. Afinal, piada requer alguns conhecimentos mínimos para conseguir fazer - ou não. Era uma segunda-feira incomum. Clara, quatro anos, não tinha ido para a aula porque disse não estar preparada após um domingo de festa - sim, antes dos cinco ela já sabe dar migué. O dia estava bem demais: desenho, almoço, maçã - ela adora maçã -, cochilo, choro rápido de birra e mais desenho. Já era quase a hora de ir embora. As únicas perguntas até então tinham sido "eu só vou para casa de noite, não é?" e "ainda não está de noite, não é?". Positivo para a primeira, negativo para a segunda. Parecia arquitetar uma última arte. Afinal, não bastou fazer mil poses durante a festa. Não bastou - mais uma vez - o joelho esquerdo ralado. Não bastou falar "vou de sorriso mesmo" quando a pediram para fazer bico de beijo para a foto. Não. Ela é a Clara, a criança da "troslagem"! Eis que, quase sorrateiramente, me rodeia e se aproxima. Um contato visual totalmente inocente. "Papai, o que é afta?", a pergunta dela veio porque eu disse que ela tinha uma na boca, após a mesma reclamar de dor. "Uma bolinha que dá na boca." - definição nada científica de um pai que não queria, ainda, explicar que a acidez do estômago provoca pequenas feridas na região bucal. Boca. Eis a deixa que ela queria, talvez até planejasse. Então solta, com a cara mais séria e pura possível "Papai, qual é o céu que não tem estrela?". Num rápido raciocínio, já que fazia um dia nublado, tentei imaginar uma conversa com um adulto e falei, sem hesitar "Todos os céus têm estrela, filha. Mesmo se tiver com nuvem a estrela está lá." A resposta, seguida de uma enorme gargalhada, veio após "Não, papai. O céu da boca, né?!" E mal sabe ela que carrega uma nos olhos...
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